sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cantanhede

             "Querem ver como se desfaz uma lenda sobre a origem de um topónimo? Pois diz o povo que havia uma moura chamada Nhede que costumava cantar à noite. Voz maviosíssima, uma noite passou-lhe pela janela um homem que não se conformava que ela se calasse sequer um breve instante e suplicava:    
                     - Canta, Nhede! Canta, Nhede!
            Mas acontece que Cantanhede veio do latim Cantinieti (villa), isto é "(quinta) da canteira ou (pedreira) de cantaria". Cantonietum é um substantivo colectivo, tirado de cantonius e este de cantus "pedras". Em 1807, Cantonied e Cantoniede! É assim...
          Mas a freguesia de Ançã foi o espaço geográfico, a que foi confinado pelo rei D. Pedro II o Marquês de Cascais. E ali passou os seus últimos dias. Ora conta a lenda que o marquês, habituado à boémia da capital, onde também tinha todos os seus negócios, resolveu arranjar um expediente que lhe permitisse desobedecer- e não desobedecer- à ordem real de não abandonar a terra de Ançã. E, assim, mandou cobrir o chão da sua carruagem com a referida terra, levando mais uns sacos dela, que espalhou por todo o seu palácio.
         Sabedor que o marquês se encontrava em Lisboa, o próprio rei foi-lhe pedir contas de desobediência, mas o fidalgo respondeu-lhe:
                     -Desde o meu desterro não deixei de calcar e pôr o pé na terra do degredo, na terra de Ançã.
         Pois na porta principal da capela de S. Bento, nesta mesma Ançã, há uma inscrição cujos dizeres dizem, mais ou menos, o seguinte: Esta Santa Casa se fez de esmola no ano de 1599, no qual havendo a peste gerla em todo o reino durou por muito tempo e nesta vila por interferência do gloriosos S. Bento não durou mais que vinte anos. Na verdade, a grande epidemia pestífera do século XVI devastou toda a Zona Centro. Porém, aos primeiros sinais, o povo de Ança rezou a S. Bento, que o protegeu!
           Pois em Ançã se festejam devotadamente os aniversários do seu padroeiro. E as cerimónias tinham tal demora que os padres levavam sempre a merenda de pão e queijo não só para o seu sustento como para as crianças que esfomeadas, assistiam. Ao longo dos tempos, tornou-se uso da festa beneditina a distribuição de pão e queijo no final dos actos litúrgicos. 
            E o curioso é que este pão e queijo passou a assumir a importância de relíquia, pois muitos fies não o comem, antes o levam para suas casas, onde dizem se conserva anos sem apanhar bolor. E ainda hoje, os irmãos de S. Bento, após o pagamento das suas quotas e, eventualmente, de promessas, levam para casas as já célebres reliquias de pão e queijo. Também na Mézinha de S. Sebastião, Couto de Dornelas, em Boticas, se guarda pão com a mesma crença de não criar bolor e proteger."
           
In "Lendas de Portugal" de Viale Moutinho, Diário de Notícias (ano 2010)                       


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