sábado, 24 de julho de 2010

Carta sem destinatário

            Já fui a tua casa! Eu sei, tardei em enfrentar os meus medos, mas chego à conclusão de que tinha razão. Quem por lá mora, determinou que era melhor deitar tudo o que era teu fora; sobrou uma caixa com documentos teus, dois vestidos e três fotografias. E tirando isso, nada dá a entender que por lá viveste uma vida, a poltrona da sala, é só isso, uma poltrona, o teu quarto ficou feio...
         Mas consegui resgatar o nosso tesouro, secreto, que ninguém sabe o que é, que ninguém dará por falta. Cheguei tarde para ficar com os teus lenços, foram para o lixo; se bem que me poupa os ouvidos pelas apreciações (pouco) fashion do Mário, sabes que agora são todos comentadores de moda. É meu por direito, é pedaço de mim e de ti, das nossas memórias, de mais ninguém. Ninguém lhe dará valor, não passa de uma peça velha e disfuncional, que para nós tem sentido e sentimento.
          A minha raiva passou, sabia que a minha dor não podia ser causa deste reflexo de frustração, raiva, ódio, agora só sofro do meu egoísmo por te ter perdido, da tua vida que fugiu de mim. Não foi o cancro que te matou, foi o cansaço de uma vida preenchida.  Estou tão orgulhosa de ti, não posso expressar o quanto; de um orgulho que me enche o coração e me faz chorar de alegria. Tu és a minha sobrevivente à doença por nunca baixares os braços durante três anos, por mais frágil que pudesses parecer. 
        Viste como não chorei!!! Não houve música alegre e gargalhadas como vezes sem conta me confidenciaste que querias, mas eu tenho mantido o espírito animado. Se um dia nos voltarmos a encontrar sei que será para nos rirmos das pérolas que por tal situação aconteceram, no nosso sentido de humor negro e distorcido... eu tinha de sair a alguém, no que toca a gozo é a ti, definitivamente. 
         Sinto-me mais pobre, espiritualmente mais pobre! Acho que é desta que começo a acreditar no céu, num céu que possas descansar, e que me descansa por pensar que agora estás bem.
                        Amo-te por me amares incondicionalmente.

5 comentários:

Anónimo disse...

:') está muito bonita a tua carta

Gigantone disse...

Esta carta está lindíssima, o melhor post do blog.
Parabéns!

Unknown disse...

obrigado já andava para a publicar há algum tempo!!!

Anónimo disse...

so para que saibas que fiquei mesmo comovida com este post! sim concordo que é o melhor que alguma vez li teu!!! parabéns!


pinipon

Unknown disse...

tu não contas, és uma profissional no que toca a comover, passas a vida a ver filmes para chorar